Agora estou escrevendo isso simplesmente porque eu quero. E caso você esteja lendo agora, eu gostaria que você lesse apenas se você quiser ler.
O “quero” é como um rio fluindo, quando você se dá conta de que quer algo, você já está querendo, já está acontecendo. O “quero” vem antes do pensar, pois quando descubro racionalmente que quero já estou querendo.
Mas o “tenho que” é diferente. Ele se conecta a um sistema já (pré) definido, um background estabelecido previamente por nós. Quando eu digo que “tenho que” alguma coisa, minha afirmação já vem impregnada de um peso, uma obrigação. É como se o “tenho que” comunicasse também “sou obrigado a”. Como se eu desse uma ordem pra mim mesmo.
E quantas coisas temos que fazer e como elas sufocam o nosso tão espontâneo “quero”! E quantas vezes já mergulhamos em tantos “tenho que” sem parar pra pensar se queremos. Repetimos: tenho que trabalhar, tenho que estudar, tenho que resolver isso, tenho que permanecer nesse relacionamento, tenho que isso e aquilo.
O conflito entre o “quero” e o “tenho que” pode começar logo que acordamos: o quero diz para continuar na cama nesse friozinho e dormir mais, mas eu tenho que levantar senão chego atrasado no trabalho. E quem nunca trabalhou ou trabalha exclusivamente em função do tenho que?
Quem dera se sempre pudéssemos substituir os “tenho que” pelos “queros”. E se porventura pudéssemos, será que não inventaríamos novos “tenho que”?
E o “tenho que” costuma ser amigo íntimo da expectativa. Quanto mais eu “tenho que” alguma coisa, mais expectativas estou depositando, pois preciso cumprir aquela obrigação que eu (im) pus.
Quando olho para tantos “tenho que” que me cercam, descortinam-se ao redor deles um monte de “não tenho que”. Esses “não tenho que” que de repente descubro são carregados de leveza. Afinal, estão livres, estão dispensados daquela obrigação. E muitos deles acabam se revelando como “queros”.
O quero é igualzinho ao sol nascendo. Ele brota como o sol brota no horizonte. É autêntico. Mas quando dizemos que temos que querer algo, toda essa autenticidade se esvai. Matamos o quero, já deixou de ser espontâneo, ficou forçado.
Isso acontece quando alguém diz “eu tenho que amar alguém” ou “eu tenho que querer fazer isso”, quando lá no fundo não é nada daquilo. Não passa de um discurso que pode até ser convincente, mas é pobre de experiência. Não tem a vida própria que emana do quero.
Pra mim é muito desagradável ter que abraçar uma pessoa que eu não estou sentindo vontade de abraçar. Eu simplesmente não abraço. Mas quando quero abraçá-la tudo muda.
E quando alguém fica porque quer e não porque tem que ficar? Esse alguém é livre para escolher ir embora, mas escolhe ficar. Essa escolha só poderia brotar do “quero” e não do fardo pesado induzido pelo “tenho que ficar”.
E deixamos tantos “queros” pra lá. Esquecemos deles e seguimos preenchendo a vida com um monte de “tenho que”. Vamos nos tornando verdadeiros juízes de nós mesmos e nos sentenciando o tempo todo. Logo, nos tornamos escravos do “tenho que” sem nem notarmos, mesmo que carregar tantos “tenho que” vá ficando mais e mais pesado.
E mesmo quando sentimos que é hora de parar e desligar um pouco, não desgrudamos do “tenho que”, insistimos nele: tenho que me divertir um pouco, tenho que descansar. Parece difícil não “ter que” alguma coisa.
Nesse momento eu quero continuar falando sobre isso, mas tenho que terminar (por enquanto). Você pode comentar sobre esse texto, mas… só se você quiser 🙂
2 comentários
Certamente tudo isso permeia nosso cotidiano. É como se o “quero” não nos pertencesse, pois, ” temos que”…comprar, pagar, pertencer e etc.
Oi Leandro, é uma ótima questão que você coloca, vou pensar nela.